16 junho 2010

A Auto-Ajuda e a Busca Espiritual


Em quase todas as livrarias do mundo, encontramos livros de auto-ajuda. Vendem aos milhões.
Porque de fato ajudam as pessoas a compreenderem certos padrões internos que geram sofrimentos: doenças, fracassos profissionais, desilusões nos relacionamentos, solidão, desânimo, falta de estima por si mesmas, falta de sentido na vida, etc.
Utilizando antigos ensinamentos com nova linguagem, e modernas técnicas de reprogramação psicológica, estes livros nos auxiliaram, individualmente, a sacudir nossas velhas crenças e práticas individuais, quando estivemos dispostos a promover mudanças pessoais.

Porém, por mais que revistemos livrarias e bibliotecas, dificilmente encontramos livros de ajuda-mútua. Livros que de fato ajudem a mudar antigas crenças e práticas sociais, que geram sofrimentos em coletividades humanas: fome, doenças endêmicas, desemprego, analfabetismo, violência, falta de liberdade, discriminação dos “diferentes”, marginalização da cidadania; enfim, para a falta de condições para uma vida digna.

No final do século passado, em quase todas as livrarias do mundo encontrávamos também muitos livros dedicados à chamada busca individual, que refloresceu na medida em que nos aproximávamos do terceiro milênio. Estes livros, igualmente, venderam aos milhões. São livros que ajudam as pessoas a dar um significado para as suas próprias vidas, individualmente, separados do meio sócio/cultural/econômico em que vivem.

A maioria desses livros enfatiza os esforços do indivíduo para “evoluir”, por seus próprios méritos, através do estudo, da perseverança, da observância de certos exercícios e práticas. Raríssimos eram aqueles livros que falavam de uma espiritualidade que não só pudesse, mas devesse ser vivida coletivamente, por uma comunidade concreta de pessoas comuns na observância de si diante dos acontecimentos, que dissertasse sobre a responsabilidade individual gerando resultados na coletividade.

Ninguém fala nos milagres que podem ocorrer num coletivo cooperante, ou seja, numa comunidade onde pessoas decidam trabalhar juntas, para promover a vida e a liberdade e para aliviar os sofrimentos de outros seres humanos.

Quanto já se ouviu falar sobre karma, impondo culpas, expiações, desculpas para não participação ou responsabilidade?
  • “__A culpa é dessas próprias pessoas. Do seu karma! Aqueles que fizerem por merecer acabarão encontrando seu próprio caminho.”

Quantas vezes já ouvimos:

  • “__Eu não assumo nenhuma culpa por essa situação! O mundo sempre foi assim e nós não vamos conseguir consertá-lo da noite para o dia!”. Da noite para o Dia?
    Ou então ouviria:
    ”- Eu já estou fazendo a minha parte. Se eu me amar mais e melhor; certamente conseguirei mudar meus semelhantes!”.

Me amar mais e melhor? Será que realmente alguém sabe como se faz isso?

Fazendo perguntas como esta você ouviria vários tipos de respostas indiretas. Ouviria “teorias” sobre a sucessão das “eras”, dos ciclos, das raças, das civilizações. Pois bem, os que ficavam plenamente satisfeitos com as respostas obtidas, não se incomodavam em procurar um novo caminho.

Pelo contrário, AQUELES que sentiam estar “faltando alguma coisa”, nas explicações fornecidas pelos manuais de auto-ajuda e pelos livros de auto desenvolvimento, tentaram levar em consideração outros pontos de vista. Pontos de Vista mais amplos, mais profundos e menos mágicos.

Passaram a entender que se podem melhorar a sua vida, quebrar seus próprios paradigmas, então podem, também, melhorar a vida de muita gente.

Meus projetos envolvem a apremissa de que se você pode encontrar o seu próprio caminho de desenvolvimento interior, então você poderá caminhar com os seus semelhantes, para construir um caminho espiritual junto com eles. Ou seja, a auto-ajuda depende da ajuda-mútua. E o auto desenvolvimento depende do comum-desenvolvimento.

Um famoso estudioso dos mitos, chamado Joseph Campbell, disse que o inicio da humanidade acontece “quando, no nível do coração, você desperta para a compaixão, sofrimento partilhado: participação efetiva no sofrimento de outra pessoa”. Desta forma se consegue entender os próprios sentimentos, compadercer-se de si, perceber-se integrado.

O difícil é resistir a tentação de mudar primeiro os outros no presente, e a nós mesmos no futuro. “-Amanhã. Depois de amanhã. Quando tiver condições. Logo que conseguir isso. Quando mudar de emprego. Quando me aposentar. Quando terminar minha tese. Quando ganhar na loteria. Se eu ficar bem de saúde...”.

O difícil é agir no presente, primeiro consigo mesmo, crescendo, amadurecendo aos poucos, exercitando a compaixão interior, o não julgamento de si e dos outros; sem ser compassivo ou permissivo, apenas justo.

Nas coisas mais simples da vida, que visam aliviar os sofrimentos dos seres humanos, é que está o “segredo”.

Todavia, como estamos buscando um caminho para antecipar mudanças de atitudes que contribuam para mudar o paradigma atual, talvez seja necessário que você conheça alguma coisa desse processo de mudança.

O único “prodígio” que se espera que consigamos, não é transformar uma comunidade humana em algo supra-humano, mas em algo apenas mais humano.
É sobre a miséria do velho mundo, seus paradigmas e idéias distorcidas, que temos de trabalhar para produzir o novo mundo.
A miséria do mundo é a nossa matéria-prima para fazer a Grande Obra da Segunda Criação do Mundo, isto é: o Mundo humano.

Portanto, neste caminho de comum-desenvolvimento não adianta você se refugiar no topo do mundo, no Himalaia ou em Machu-Pichu, para trabalhar o seu desenvolvimento espiritual. Não adianta você se trancar num mosteiro e cerca-se de homens e mulheres puros. É preciso compreender que aqui não se trata de pureza, mas de dádiva, de compartilhar.

As necessidades humanas de uns, são as oportunidades para a realização de outros. Por isso é que elas são nossas matérias-primas. Se o seu semelhante não tem necessidades você também não pode ter oportunidades. Se ninguém precisasse de você, você não seria necessário, infelizmente. Porque neste caso não lhe seriam dadas as condições o auto desenvolvimento.

Tente pensar assim: existem outras pessoas que têm necessidades, e que precisam da sua ajuda. Não da ajuda de qualquer ser humano, mas da sua especificamente. No sistema global, nossas potencialidades se desenvolvem quando se “encaixam” em necessidades de outras pessoas, que são só delas.

Por outro lado, nossas necessidades originais são as oportunidades para o desenvolvimento de outras pessoas. De sorte que, na “ecologia” global do sistema, necessidade e oportunidade é a mesma coisa.

Ao exercitar a ajuda-mútua e trabalhar para o comum-desenvolvimento, você estará, ao mesmo tempo, se ajudando e se desenvolvendo também.

Mas parece óbvio: você só pode fazer isso se tiver um contato humano, pessoal, com outras pessoas. Se estiver con-vivendo ou vivendo em comunidade.

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